MUDANÇAS

Com o passar do tempo as pessoas mudam e os sentimentos delas também.
As paixões terminam e o amor adormece quando, não raro, transforma-se apenas em carinho e lembranças alegres de um período que passou.
Até mesmo a amizade passa por uma mudança quando a distância vai determinando outras experiências na vida de um e de outro porque já não mais haverá a cumplicidade e o compartilhamento de ideias e objetivos comuns.
Querendo ou não, as transformações ocorrem.
Embalados pela ilusão de que as pessoas permanecerão sempre as mesmas, aguardamos décadas e décadas ansiosos por um reencontro, como se tudo fosse voltar a ser como era antes. Mas, não é isso que acontece.
Vou citar dois exemplos do que vivi nesse sentido.
Passei mais de dez anos afastada de uma amiga, muito embora ainda morássemos na mesma cidade. Havíamos tido uma ligação muito forte ao ponto de saber de longe quando ela estava bem ou não. Por problemas que não estava conseguindo superar numa fase difícil de sua vida, resolveu isolar-se de tudo como uma forma de defesa contra todos. Contudo, o destino quis que, por intermédio de terceiros, nos aproximássemos novamente. Fiquei muito feliz ao reencontrá-la porém, quanto a ela, pareceu nada sentir. Inicialmente achei que era por causa do choque inesperado de voltarmos a nos ver. Pouco a pouco, fui percebendo que se tratava de uma completa desconhecida para mim. Por fora, era a mesma mas a impressão que dava era de que havia outra alma dentro dela. Fria, indiferente, que não sorria e nem deixava os sentimentos , se é que existiam, transparecer. Fiquei decepcionada. Teria sido melhor continuar distante, mas acreditando que ela estava feliz em algum lugar. Foi terrível constatar que havia morrido interiormente. Lembro-me de certa ocasião em que havia dado um telefonema a ela, movida pela saudade, só para saber como estava e ouvir a sua voz. Ela me atendeu como se fosse uma estranha, limitando-se a responder o estritamente necessário. Ela erguera um muro bem alto ao seu redor e não deixava ninguém se aproximar. Desisti depois de algum tempo porque vi que nada mais seria como antes. Foi uma mudança radical. Em mim, ficou a lembrança e o carinho. Nela, nada posso afirmar.
Na minha infância, conheci um casal estrangeiro que veio para Passo Fundo com três filhos menores. Um de 7 anos, outra de 8 e a mais velha de 10. Fomos muito próximos e acabamos perdendo o contato quando voltaram para o seu país de origem. Durante anos e anos fiquei imaginando como seria bom encontrá-los novamente. O tempo passou e não obtive nenhuma notícia a respeito deles. Recentemente, através do Facebook, consegui localizar os dois irmãos mais novos. Estão muito bem sucedidos. O pai deles ainda está vivo, mas a mãe já faleceu há mais ou menos uns quatro anos. Minha amiga, que era a mais velha, não é mencionada por nenhum deles e nem faz parte de seus contatos. Eles nada comentam sobre ela. Resultado: eles não se lembram mais de mim. Eram muito pequenos e não têm a memória privilegiada que eu tenho. Graças a Deus, me lembro de tudo desde um ano e meio de vida. Posso ter esquecido o nome de alguns porém, a expressão de seus rostos, o tom de suas vozes, o que me disseram ou fizeram, eu não esqueci. Acho que é por isso que sou escritora.
Um escritor vive de memórias e relata também não só o passado como os fatos que estão ocorrendo no aqui e no agora. Pois é, a vida é assim. Convivemos com pessoas e um dia elas partem ou nós seguimos em outra direção. Ficamos com elas somente o período que o carma nos exige. Nem mais nem menos. Portanto, por mais que doa em nosso coração, quando for chegada a hora de partir, não há nada a fazer a esse respeito. Não podemos prender ninguém. Os amigos e os amores não nos pertencem e se foram embora, não irão voltar. E, se voltarem, não serão mais os mesmos conosco. Estarão mudados e quase não os reconheceremos. E será preferível que não voltem, se for para voltarem mudados, a fim de que possamos guardar deles as lembranças mais carinhosas e uma saudade cheia de emoção.
Elisabeth Souza Ferreira